terça-feira, 13 de março de 2007

O ROSTO ASSOCIATIVO DOS PESCADORES ANCORENSES

Por Celestino Ribeiro




Sempre numa linha de continuidade das tradições dos seus ancestrais galegos de A Guardia, os pescadores Ancorenses sentiram o desejo de criar vínculos associativos para melhor e mais organizados responderem aos apelos e necessidades impostas pelas exigências dos tempos e, particularmente da sua condição condição social.
Eles, os pescadores Ancorenses – estamos em 1928 – conheciam dos seus pais e avós naturais de A Guardia a remota “Cofradia de Sta Tecla” , a associação dos pescadores guardeses , cuja santa era e ainda hoje é, venerada numa pequena capela no alto do monte de Sta. Tecla, e o papel que esta associação desenvolvia tanto a nível religioso como social e cultural no ambiente da comunidade marítima.
Assim nasceu em VP Âncora a denominada “ ASSOCIAÇÃO DE NOSSA SENHORA DA BONANÇA” , que se assume canonicamente como uma “associação privada de fiéis” logo, distinta de outras confrarias ao tempo existentes e da confraria da Senhora da Bonança de Carreço de onde veio a devoção à Senhora da Bonança, mas não a inspiração associativa. Esta era uma “associação pública de fiéis” .
Convém aqui esclarecer, que nos termos do Direito Canónico existem dois tipos de associações bem diferenciados: as “associações públicas” sempre presididas pelos párocos e com fins estritamente piedosos e as “ associações privadas” que, para além de se lhes reconhecer o direito de encargos pios, são em tudo semelhantes às associações de direito civil. Com efeito, os seus órgãos directivos são a Direcção ( órgão executivo ) e a Assembleia Geral ( órgão deliberativo ) . Nestas, a autoridade eclesiástica tem a missão de velar pelo cumprimento dos Estatutos e da vontade dos fundadores.
E é precisamente no cumprimento dos Estatutos, que a Direcção decide adquirir o imóvel designado por “ Barracão da Senhora da Bonança” , sito na rua 13 de Fevereiro nº 2 junto ao Portinho, cuja outorga do título de aquisição foi lavrado no dia 8 de Janeiro de 1935, a fls. 77v do livro 38 do Cartório Notarial de Caminha.
Este imóvel foi, assim, a Sede da Associação, da Comissão de Festas e da Mútua dos pescadores Ancorenses. Só não se concretizou a criação de uma ou mais escolas para ministrar instrução aos seus associados , como é referido no nº 2 do artigo 3º dos Estatutos.
No plano assistencial , que diríamos hoje de solidariedade social, viveram no anexo do Barracão a “ lídia Pregueira” e depois o “ tio Bexiga”. Como curiosidade, a lídia pagava 15 escudos de renda em 1955 ao Manuel Galego ( administrador ) , que depois este entregava à D. Lina para pôr no peteiro do altar da Senhora da Bonança. Um feixe de lenha vendia- se nesse tempo por 12 escudos e 50 centavos.
Após o 25 de Abril , o Barracão continuou a ser sede da Comissão de Festas e do Sindicato Livre dos Pescadores de VP Âncora.
Em 16 de Novembro de 1989 foi efectuada uma escritura de justificação notarial que se destinava a corrigir o título de aquisição do Barracão. Este acto desencadeou um processo judicial que terminou com o reconhecimento da propriedade à Associação de Nossa senhora da Bonança, como era de pleno direito.
Compete agora aos associados , aos pescadores, dar continuidade à obra dos seus avós, cujo dinamismo foi capaz de erguer um património e sonhar um objectivo de interesse colectivo. Contrariar e criar dificuldades a este direito inalienável da classe piscatória em particular, é trair a vontade dos fundadores e daqueles que lutaram por esta causa.
No período controverso iniciado em 1989, mais por desconfiança de propósitos do que por outra razão, ainda alguns pescadores instituíram uma associação civil que deram como Sede o Barracão da Senhora da Bonança e se designou como “ Associação dos Homens do Mar de VP Âncora” e, ainda, tomando por base os Estatutos da Associação de Nossa senhora da Bonança, que acabou por não vingar.
Actualmente está instituída uma nova associação de pescadores que congrega profissionais da pesca e desportivos e se designa por isso mesmo de “ Associação de Pescadores Profissionais e Desportivos de VP Âncora”, com sede num pouco digno cubículo do anfiteatro do Campo do Castelo.
O estado actual do Barracão da Senhora da Bonança é de completa degradação e insalubridade, situação que urge resolver.

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