terça-feira, 22 de maio de 2007

MORFOLOGIA DO “LAGOA”

Por Celestino Ribeiro

A insensibilidade cultural e a falta de vontade política local, condenou ao desaparecimento o “Lagoa”, o último salva – vidas do Portinho de Âncora.
Com o barco poveiro há muito tempo extinto do varadouro Ancorense, a gamela ou masseira em fase de extinção e com adaptações de matéria e estrutura que a vão afastando do modelo original, o desaparecimento do salva – vidas “Lagoa” marca o fim das embarcações tradicionais do nosso património histórico – marítimo.
Ao escrever estas linhas, a mágoa invade a minha alma . Um sentimento de impotência ressoa como um grito na solidão do deserto. Com efeito, a indiferença de uns e a resignação de outros , a ignorância daqueles e a desistência destes, é a causa profunda deste estado de alma. Limito – me , pois, a escrever um testemunho para que outros um dia, melhor que nós, saibam resgatar as “ pérolas aos porcos”. Talvez um dia, uma geração mais culta e sensível , mais votada ao espírito do que à barriga, mais orgulhosa da sua pertença e da sua identidade, dê o devido valor e importância ao assunto e desenvolva o seu encontro com a nossa história através da criação das réplicas das nossas embarcações tradicionais, que um dia povoaram o varadouro Ancorense. É com essa esperança que abordo o tema.
O “ Lagoa” era, estruturalmente , uma embarcação da classe das baleeiras com proa curva e a popa fechada, sem painel, uma espécie de outra proa. A diferença em relação a uma vulgar baleeira, consistia no facto de o “ Lagoa” ser maior e mais robusto. Possuía caixas de ar e linha de socorros a náufragos, com flutuadores de cortiça revestidos a lona colocados nos dois bordos, a bombordo e a estibordo , ao nível inferior dos alcatrates.
As suas dimensões eram as seguintes:
Comprimento ( entre perpendiculares ) = 9,50 mts.
Boca ( máxima largura a meio da embarcação) = 2,85 mts.
Pontal ( máxima altura a meio ) = 1,30 mts.
Altura da proa e da ré = 1,80 mts.
Peso = 2 000 Kg

O costado do “ Lagoa “ , ou seja ,o seu corpo de flutuabilidade, era de tabuado trincado ( topos sobrepostos). A quilha, a peça mais importante de qualquer embarcação, a sua espinha dorsal, colocada no sentido longitudinal, era continuada à proa dando forma ao talha – mar, ou roda de proa; à ré , ou popa, o seu seguimento formava o cadaste onde estava fixada a ferragem do leme. As balizas colocadas transversalmente à quilha , eram as peças que formavam o seu esqueleto . Normalmente estas peças subdividiam – se em : caverna, a parte que encosta à quilha; braço, a curva do bojo da embarcação ; e a apostura , a parte da baliza que liga ao braço e onde assentam os alcatrates. No “ Lagoa “ , lembro – me, que as balizas eram constituídas apenas pelas cavernas e os braços, onde assentavam os alcatrates.
Os alcatrates, eram as peças colocadas sobre as balizas para as consolidar e onde eram fixados os bronzes dos toletes para armar os remos , cinco de cada lado do costado aos quais correspondiam cinco bancadas para os remadores. Estas bancadas , eram as peças colocadas na transversal assentes nas extremidades sobre os dormentes e ao meio eram suportadas pelos pés de carneiro, peças de madeira fixadas na vertical tendo por base a quilha.


Próximo da linha de água , a vante da boca, em cada um dos bordos havia duas boeiras de forma quadrada , que serviam para escoar a água. Possuía também robaletes, peças pregadas no sentido proa – popa a bombordo e a estibordo na altura do encolamento, ou seja, da curva do bojo do casco e funcionando como atenuadores do balanço, uma espécie de amortecedores.
O leme , que servia para dar governo à embarcação , tinha as ferragens fixadas em sentido oposto às ferragens do cadaste, ou seja, o macho da parte superior do leme com a fêmea do cadaste e a fêmea da parte inferior do leme com o macho do cadaste. Por sua vez, o leme era dividido em três partes: porta, a parte mais larga; madre, a parte que encosta ao cadaste; e cachola, a parte superior do leme onde entrava a cana do leme , uma espécie de alavanca para movimentar o leme ora para bombordo, ora para estibordo.

4 comentários:

Anónimo disse...

Lamentavelmente a nossa terra tem perdido ao longo dos ultimos anos variado espólio por ignorancia de alguns agentes políticos. O caso vertente é um dos mais marcantes, porque com facilidade e pouco dinheiro tinha-se evitado a destruição deste símbolo que toca fundo a classe piscatória e a história desta comunidade. Pelo menos tu ainda procurar deixar para a posteridade alguns elementos essenciais. Ainda bem.

Anónimo disse...

Mas se já todos sabemos quão poucos são os valores históricos preservados nesta COMUNIDADE ANCORENSE, em que tudo se destrói sem se pensar nas gerações vindouras, porque não há uma Junta de Freguesia que, em vez de festanças e sardinhadas com funcionários da câmara, a troco não se sabe de quê, vá adquirir o que sobra do Lagoa e o manda restaurar a partir das memórias ainda existentes? Então que seja o Centro Cultural a fazê-lo e a preservá-lo. Por falar nisso, para onde terá ido aquela masseira ancorense que durante o Verão esteve à porta do Centro Cultural? Já é um "ser" quase em extinção, guardem-na para um futuro núcleo museológico, a funcionar, talvez, nesse edifício, uma vez que em breve a Biblioteca vai dar o fora e a Academia também!!!

Anónimo disse...

Caro adérito,
Aproveito para lhe dizer que a referida masseira já se encontra na posse do Centro Social bem como um dóri da pesca do bacalhau gentilmente cedido pelos escuteiros de Ilhavo.

Anónimo disse...

ola bom dia. tenho uma duvida em relacao ha um espectaculo que vai decorrer no dia 19de novembro as 21h30 ai no centro social de vila praia de ancora. soube os donativos seriam para uma menina que precisa de tratamentos e cururgia em espanha ! sera que me podem confirmar esta historia!obrigada